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O neomudéjar, um estilo espanhol

Bloggin Madrid

Em 1859 o arqueólogo José Amador de los Ríos, no seu discurso de entrada na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, empregou pela primeira vez o conceito de “estilo mudéjar”, para se referir aos templos e palácios cristãos edificados com técnicas e estilos decorativos reminiscentes da arquitetura hispano-muçulmana, (azulejos, estuques, arcos de ferradura, etc.). Desde então, intelectuais como Marcelino Menéndez Pelayo consideraram o neomudéjar como sendo o único estilo especificamente espanhol de que podemos vangloriar-nos, ao representar a síntese de todas as linguagens arquitetónicas e decorativas que conviveram na Península Ibérica desde o final da Idade Média, ao constatar-se rapidamente que o estilo mudéjar se interligava com os estilos românico, gótico e renascentista. Por Ignacio Vleming.

Antes de nos referirmos a estas grandes obras dos séculos XIX e XX, é imprescindível elaborarmos uma lista dos rasgos característicos do estilo mudéjar. Para os ilustrar, podemos tomar como referência as igrejas de San Nicolás (século XII-XV) e San Pedro el Viejo (século XIV) e o Palácio de los Lujanes (século XV), na Plaza de la Villa, ou alguns elementos arquitetónicos, como arcos, abóbadas e portas, conservados e expostos no Museu Arqueológico Nacional. Podemos também visitar o salão nobre e a capela da Universidade de Alcalá de Henares, as sinagogas de Santa María la Blanca e o Tránsito de Toledo, ou o Mosteiro de San Antonio El Real e o Alcázar de Segóvia.

San Pedro el Viejo. Porta mudéjar do MAN. San Nicolás. Fotos de Álvaro López del Cerro.

1-     Predomina o emprego de materiais moldáveis (tijolo, cerâmica, estuque e azulejo), frente aos materiais duros (pedra, ferroo, cimento).

2-     Com o tijolo burro elaboram-se jogos decorativos complexos, que cobrem superfícies inteiras com motivos geométricos regulares.

3-     Quando o tijolo se alterna com a alvenaria (pedra irregular) denomina-se aparejo toledano.

4-     Os interiores são cobertos, alternativamente, com abóbadas de cruzaria ou com artesoados de madeira como o da igreja de San Nicolás.

5-     A cerâmica – com as suas cores vivas –  adquire um enorme protagonismo.

6-     Altenância de arcos de ferradura, polilobulados, ogivais, aperaltados e de meia volta.

7-     Apesar dos numerosos rasgos estilísticos de origem hispano-muçulmana, os edifícios reproduzem esquemas próprios da tradição cristã, como fachadas simétricas, pátios e plantas em cruz nas igrejas.

Gabinete árabe do Palácio de Aranjuez, 1847-1851. Decorado por Rafael Conteras.

Embora já na década de 1940 nos encontremos com numerosos exemplos de alhambrismo em Madrid, como o Gabinete Árabe do Palácio Real de Aranjuez, obra do artesão Rafael Contreras, não podemos todavia falar de um estilo especificamente nacional, mas sim de um revivalismo mourisco estendido por toda a Europa, e que se utilizou para decorar muitos espaços de recreio, como casinos e teatros, além de sanitários públicos e sinagogas.

É com a construção do Pavilhão de Espanha na Exposição Universal de Paris de 1878 que a arquitetura neomudéjar passará a ficar intimamente vinculada à idiossincrasia nacional. A sua fachada combinava elementos do Pátio dos Leões da Alhambra, e também de edifícios cristãos relevantes como os Reales Alcázares de Sevilha, a Puerta del Sol de Toledo e a catedral de Tarragona. Hoje em dia apenas se conservam algumas fotografias e gravuras do pavilhão. O seu arquiteto, Agustín Ortiz Villajos é o autor em Madrid do Teatro María Guerrero, um edifício ecléctico inaugurado em 1885. Outros elementos representativos deste estilo são o muro do Frontón Beti Jai, construído em 1894 por Joaquín Rucoba, e recentemente restaurado. Infelismente, algumas das obras, como o primitivo Circo Price (1880) da Plaza del Rey, ou o Teatro dos Jardins do Buen Retiro (1880) já desapareceram.

Plateia do Teatro María Guerrero, coberta por um teto artesoado neomudéjar, obra de Agustín Ortiz Villajos.

Desapareceram também a Praça de Touros de Goya, que desde 1874 se erguia no lugar onde hoje se situa o WiZink Center, e que foi a segunda praça de touros de Madrid. Obra de Lorenzo Álvarez Capa e Emilio Rodríguez Ayuso, serviu de modelo para muitas praças de Espanha, como a própria Praça de Touros de Las Ventas, obra de José Espelius que substituiu a primitiva em 1929. Os mais de cinquenta anos que distam da construção de uma praça à outra compreendem a maior parte dos exemplos da arquitetura neomudéjar, que viriam a dar passo a linguagens arquitetónicas mais contemporâneas, como a Art Deco e o Racionalismo durante os anos 30, e outros estilos historicistas, como o neoherreriano posterior à Guerra Civil.

Praça de Touros de Las Ventas, 1929. Obra de José Espelius. Fotografia de Álvaro López del Cerro.

O arquiteto Emilio Rodríguez Ayuso é também o autor das Escuelas Aguirre na Calle Alcalá, atual sede da Casa Árabe. O delicado trabalho ornamental da fachada e da torre, que recorda as de Teruel, albergava um interessante conjunto de espaços, pioneiros à data da sua inauguração, em 1886.

Era habitual que a arquitetura neomudéjar se empregasse na construção de orfanatos, conventos, instituições educativas e de caridade. São exemplos destacados o Seminário Conciliar de Madrid (1906), o Colégio de San Diego y San Nicolás (1906), o Colégio de Areneros (1910), atual Universidade Pontifícia de Comillas, e o Colégio de Nuestra Señora de las Delicias (1913).

Colégio de San Diego y San Vicente, 1906. Obra de Juan Bautista Lázaro de Diego Fotografia de Álvaro López del Cerro.

Durante estes anos constroem-se também as igrejas de San Fermín (1890), de Santa Cruz (1902) e de la Buena Dicha (1917), que conta no seu interior com uma interessante abóbada de cruzaria, com clarabóia. Esta última é obra de Francisco García Nava, o mesmo arquiteto que desenharia a capela e o pórtico do Cemitério de La Almudena, inaugurado em 1925, e no qual se combinam elementos neomudéjares e modernistas.

Esta combinação pode ver-se também nas obras de Julián Marín, tanto na Casa de las Bolas (1895) da Calle Alcalá, como na colónia de moradias unifamiliares Madrid Moderno (1890-1906), inspirada nas ideias do arquiteto Mariano Belmás Estrada, que procurou promover a construção de moradias económicas e higiénicas para as classes populares. No entanto, são os edifícios do hotel de Don Guillermo de Osma (1893), atual sede do Instituto Valencia de Don Juan, e a Casa de Don Francisco Mestre (1917), en Romero Robledo, 17, que constituem os mais puros exemplos da arquitetura neomudéjar residencial.

Madrid Moderno e Casa de las bolas, 1895. Obra de Julián Marín. Fotografia de Álvaro López del Cerro.

No início do século XX, o neomudéjar converteu-se no estilo que melhor se adaptava à arquitetura industrial, entre outros motivos porque conseguiu fazer da necessidade uma virtude, ao reivindicar a beleza do tijolo burro e as suas enormes possibilidades práticas e decorativas. Exemplos deste conceito são o Depósito elevado de Chamberí (1912), a fábrica de Cerveja “El Águila” (1914), atual Biblioteca Regional Joaquín Leguina, as antigas oficinas de aprendizagem dos ferroviários, atualmente ocupadas pelo centro cultural “La neomudejar”, com a sua moderna cobertura em forma de serra, e o espaço Matadero de Madrid (1925), para o qual Luis Bellido desenhou vários pavilhões e um centro administrativo – a casa do relógio – e que é atualmente o maior conjunto de edifícios deste estilo arquitectónico.

Matadero Madrid, 1925. Obra de Luis Bellido. Fotografia de Álvaro López del Cerro.

A arquitetura neomudéjar foi mais um exemplo de como o século XIX recuperou todos e cada um dos estilos artísticos do passado, numa busca, por vezes algo esquizofrénica, para encontrar a sua própria personalidade. Enquanto a política esteve marcada, durante cem anos, pela passagem, por vezes violenta e traumática, do antigo ao novo regime, a arte preocupou-se com encontrar uma linguagem diferente, para o mundo que agora surgia. Um processo que não se revelou demasiado fácil, e em que, por trás do prefixo “neo” muitas vezes se escondia uma profunda falta de criatividade. No entanto, alguns dos edifícios incluídos nesta lista são, no entanto, muito inovadores do ponto de vista estrutural, e merecem por isso uma atenção especial. Esperamos que este artigo contribua para a sua apreciação por parte do público.

Seminário Conciliar de Madrid, 1906. Obra de Miguel de Olabarría Zuaxabar e Ricardo García Guereta. Fotografia de Álvaro López del Cerro.

 

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