Pastelarias centenárias
Pelos seus salões e vitrinas desfilaram grandes literatos, personagens da história da nossa cidade, rendidos aos seus esquisitos aromas e sabores. Hoje como ontem, estas confeitarias com mais de um século de vida continuam a fazer-nos felizes, sobre todo durante a quadra natalícia. O Natal assenta-lhes especialmente bem. Por Silvia Roba
Em meados do século XIX, Luis Mira quis provar sorte em Madrid. Abandonou a sua Jijona natal, com um carro puxado por duas burras, carregadas de turrón, e empreendeu o caminho que levava à cidade grande. A história reza que teve que reiniciar a sua viagem até quatro vezes, pois vendia o género antes de chegar ao seu destino. Finalmente conseguiu chegar, e oferecer os seus tentadores doces, primeiro num posto na Plaza Mayor, pelo ano de 1842 e mais tarde, em 1855, na mesma loja que hoje podemos visitar.
O estabelecimento mantém-se tal como era, com as paredes revestidas de caoba e espelhos que nos transportam para épocas distantes. A sua especialidade é o turrón, que se vende em tabletes e ao corte. A escolha é, sobretudo, entre o de amêndoa (duro, tradicional de Alicante) e o de Jijona (mais mole), o seu clássico mais aclamado; mas também o há de avelã, de frutas, de chocolate…
Outras especialidades natalícias são as tortas de turrón a la piedra, as anguilas de massapão, decoradas à mão, o pão de Cádiz e as glórias, confecionadas com amêndoa Marcona, gema confitada, batata, abóbora, merengue e canela.
Fundada em 1830, a Antigua Pastelería del Pozo, situada na rua das traseiras do também centenário restaurante Lhardy, é facilmente reconhecível pela sua fachada, toda em madeira. Não devemos deixar de cair na tentação que nos brinda sempre o seu escaparate e aceder ao interior do estabelecimento, que nos oferece uma autêntica viagem no tempo.
Para sentir que este é lugar com história, basta contemplar a fotografia dedicada por Jacinto Benavente, Prémio Nobel de Literatura em 1922, a Luisa, avô da atual proprietária. O estabelecimento conserva ainda as cadeiras em que se sentavam o médico e pensador Gregorio Marañón e o seu colega Carlos Jiménez Díaz, para debater se era melhor comer doces antes, durante ou depois das refeições.
Conhecido nos seus começos como o Horno del Pozo, a sua fama cresceu no início do século XX, quando foi adquirida pelo pasteleiro Julián Leal Charle, que ali tinha trabalhado como vendedor. Hoje é Estrella, membro da terceira geração de uma saga forjada entre farinha, açúcar e aventais brancos, quem está à frente do estabelecimento.
As receitas não variaram como tempo, simples e ingredientes naturais. Embora ao longo dos anos a pastelaria tenha sido alvo de importantes reformas, conserva intacto parte do seu mobiliário, desde o seu mostrador de madeira e mármore à máquina registadora, fabricada em Cuba em meados do século XIX e que ainda funciona, passando pelo antigo candeeiro a gás e pela clássica balança de dois pratos.
Mas o que podemos mercar aqui? A resposta é simples: hojaldres (os mais famosos folhados de Madrid, elaborados com manteiga de porco ibérico derretida) e os doces de sempre, incluindo os tradicionais roscones de Reyes, sem fruta escarchada nem recheio. É necessário aguentar as longas filas de gente para conseguir um no dia 6 de janeiro. Por esta altura, em apenas alguns dias elaboram mais de quatro mil!
Durante as festas natalícias não podemos deixar de provar outros doces artesanais, elaborados com mimo e muitas horas de dedicação no seu ateliê. Talvez os turrones, entre os que se destacam os de laranja e o feito na pedra, similar ao mole, ou talvez os seus mantecados e polvorones.
Em 1873 Matías Lacasa obtuve, através da Oficina de Patentes, um rpivilégio que lhe outorgava o direito exclusivo, durante dez anos, do fabrico do pão de Viena em Madrid, mais fino que o candeal, de consumo habitual. Foi então quando, com a sua esposa Juana, abriu uma padaria na atual rua da Misericordia, onde então se encontrava a residência dos capelães da Casa Real. Depois de falecer o matrimónio, foram os seus sobrinhos, o escritor Pío Baroja, e o seu irmão Ricardo, gravador e pintor, quem se encarregou do negócio. Um jovem aprendiz de seu nome Manuel Lence adquiriu mais tarde o negócio e hoje são os seus descendentes quem gere o mesmo. Possuem estabelecimentos por toda a cidade, embora o da rua Goya se conserve praticamente como era nas suas origens. Nas suas cestas de Natal, ideais como presente, não faltam os turrones, os alfajores e os panettones artesanais.
“Emocionar com a nossa gastronomia doce” é o objetivo do mestre pasteleiro Oriol Balaguer, responsável por esta centenária confeitaria desde 2015. A história do local remonta-se a 1914, embora tenha sido a partir dos anos 30, com a família Santamaría à frente do negócio, que Viena Capellanes se consolidou como uma referência da capital espanhola.
Como se o tempo não tivesse passado por aqui, esta delicada pastelaria continua a ser presidida pela figura da duquesita de alabastro que lhe dá o nome. Perduram também o letreiro da fachada -“bombons e caramelos finos”-, mostradores, vitrinas, espelhos e o grande candeeiro central. A estes elementos somaram-se, já na sua segunda vida, um pavimento com motivos geométricos em branco e negro, um balcão e as mesas de mármore. Aqui tudo é esquisito. Imprescindíveis os turrones, os abetos de chocolate e o panettone de frutas, chocolate ou gianduja com castanhas.
Esta confeitaria artesanal foi fundada em 1855 pelo pasteleiro da rainha María Cristina de Borbón, Dámaso Maza, oriundo de La Rioja. Ao cruzar a porta, repare-se atentamente nos magníficos estuques do teto, nos candeeiros e apliques isabelinos e, sobretudo, nos magníficos mostradores e vitrinas, construídos por ebanistas de palácio, com caoba trazida de Cuba.
Conservam-se igualmente o forno de lenha, a caixa registadora e as balanças antigas. No seu catálogo de productos natalícios podemos encontrar de tudo um pouco: desde os roscones e turrones artesanais até às anguilas e figurinhas de massapão, fruta escarchada, mantecaditos… e também os bocaidentes, gemas com nozes e açúcar glaceado.
Foram três maiorquinos que em 1894 fundaram este estabelecimento, que inunda com o seu delicioso aroma a Puerta do Sol. Primeiro estabeleceram-se na rua Jacometrezo, e mais tarde adquiriram este local, em que todos os madrilenos já entraram pelo menos uma vez na sua vida. As ensaimadas foram os primeiros produtos que triunfaram entre os seus clientes, que ali acudiam para participar em animadas tertúlias onde se saboreava o chocolate e o café, acompanhados por gelados servidos em pratos de cristal em forma de concha por empregados vestidos de fraque, que falavam em francês. Embora a sua especialidade mais demandada seja a napolitana, nesta época o produto mais destacado são os seus troncos de Natal, as figurinhas de massapão e os roscones.